Mais uma história de Peão.
A noite na fazenda era escura. O céu pontilhado de estrelas e a enorme lua cheia eram a única fonte de luz, iluminando o caminho. A casa estava vazia, todos estavam perto do barracão dos peões, em volta da fogueira tocando viola.
O vento estava frio, mesmo assim Ana caminhava um pouco distante dos outros, sozinha com seus pensamentos. Ultimamente vinha sentindo certa necessidade de estar longe de todos, ter mais tempo para si mesma.
Desde a morte de seu pai, vinha se sentindo vazia. Só. Sem uma parte importante. Foi criada por ele desde os sete anos. O pobre João Antonio deu sua vida para que ela não passasse fome ou necessidade alguma. O sonho de seu velho pai era vê-la casada e com a vida encaminhada.
Agora, nem mesmo ela tinha coragem de continuar morando só, naquela casa de fazenda. Diversas vezes sua amiga Clarisse lhe fez companhia, mas o vazio não era só a solidão. Agora ela tinha noção da realidade. Precisava arrumar alguém para si. Um homem que a amasse e que lhe fosse fiel e dedicado, que a protegesse e amparasse.
Mas quem?
-Perdida, morena?-Bento saiu de trás de uma árvore e a segurou pela cintura, dando-lhe um baita susto.
-Arri que susto da gota.-Ela o empurrou e respirou fundo com a mão sobre o peito.-O que tu faz aí espreitando feito ladrão de galinha?
-Vim atrás de tu. Sabe que moça nova não pode ficar passeando no meio da noite.
-Eu vou aonde quero, a hora que bem entendo. E ocê passa daqui antes que eu rele a mão nas tuas fuças.
-Vixe, ta que ta hoje hein? Que bicho te mordeu que te deixou com a cara amarrada feito pacote de despacho?
-Ah sai daqui antes que eu te dê um coice.-Ela abraçou os braços e se adiantou pra longe dele.
-Volta aqui mulher.-Ele segurou o pulso dela e a puxou de volta.-O que te fiz, pra ficar feito burro xucro comigo?
-Ocê nada peão. To aperriada e não to com cabeça pras suas graça agora.
-Vem aqui.-Ele a puxou pro abraço e subiu a mão para os cachos da nuca dela.-Sei que ta assim desde o enterro. Não posso tirar a dor, mas tenho uma idéia que talvez te faça melhorar um pouco.
-Vai me levar cocê pro rodeio?
-Não, aquilo lá não é lugar procê.-Ele ergueu o rosto dela devagar.-Vou ligar pros patrões. Eles devem precisar de alguém pra ajudar lá na Capital. Você sai desse rancho velho, pode estudar, ganhar mais, de repente, até arruma casamento.
-Não quero casar Bento.-Ela segurou a mão dele e sorriu.-E lá na cidade vou fazer papel de besta pros outros. Não sei me comportar. Eles vão ficar rindo deu.
-Você vai aprender.-Ele a abraçou com força.-E também não é bom você ficar aqui sozinha. Eles devem arrumar outro caseiro velho pra tomar conta da casa grande. Até lá, vai que aparece algum ladrão?
-Sei usar a carabina do meu pai.
-As coisas não são como você pensa sua boba.-Ele, louco pra tirar um beijo daqueles lábios volumosos, se conteve ao máximo.-Ah Ana, se soubesse um tanto do que eu sei.
-Por que ocê nunca quis me mostrar.-Ela pousou as mãos pequenas nos braços do peão.-Nunca quis me levar nos rodeio. Nunca quis me ensinar sobre essa tar coisa que ocê tanto fala.
-Aninha, Aninha.-Ele apertou o abraço, já sentindo o corpo excitado.-Vai pra casa e arruma as malas. Amanhã alguém vem buscar ocê pra ir pra cidade grande. Eu vou dar um jeito de falar cos patrão agora.
-Para Zé. Ocê cisma de querer tomar conta da minha vida. Eu não sou sua fia, sua irmã e nem sua muié. Não carece de tanta preocupação comigo. Vou me virar sozinha iguar fiz esses dias tudo.
-Escuta aqui moça.-Ele segurou com força os ombros dela e a sacudiu de leve.-Faz o que eu to mandando. Depois ocê vai me agradecer.
Ana o empurrou com ambas as mãos e tomou o rumo de volta pra casa da fazenda. Subiu as escadas correndo e bateu a porta da frente. Foi tomar um banho frio pra acabar com aquela sensação de ter o coração subindo pela garganta.
Bento olhou em volta e se escondeu sob a sombra da grande árvore, devagar escorregou a mão para dentro da calça e apertou o pau de leve. Estava latejando de tesão. Ele mesmo chegava a respirar pesado, se controlando. Abriu a calça, libertou o pau e começou a punhetá-lo pensando naquela mãozinha leve e quente dela sobre ele. Nos dedos finos o segurando firme e acariciando para cima e para baixo.
-Enquanto você está aqui tocando punheta sozinho, ela está lá precisando de alguém que apague aquele fogo todo. –Falou sua consciência. –Vai lá e acaba logo com isso. Você quer, ela também quer. Se não fizer, outro vai fazer.
Ele mal fechou a calça e tomou o rumo atrás dela. Quando se aproximou da casa, foi sendo tomado pela covardia novamente. Ele tinha medo de tomá-la, porque sabia que moça como ela, era pra casar. E ele não estava pronto pra casar. Ainda tinha muitos rodeios pela frente. E mulher só sabia ficar agourando o marido.
Ele mesmo tinha um companheiro que depois que se casou, perdeu três provas de tanto que a mulher insistia que o boi iria jogá-lo no chão. Sem contar que se algo acontecesse a ele, ela ficaria mais uma vez sozinha. E se tivessem filhos? Não, aquela vida não era pra ela.
Ele deu meia volta e passou por trás da casa, viu a luz do banheiro acesa, aproximou-se devagar, sentiu o cheiro do sabonete dela. A janela estava aberta, saía um vapor quente de dentro do banheiro. Ao se aproximar mais, ele ouviu gemidos. Não eram gemidos de dor ou de choro. Eram gemidos de uma mulher que estava sentindo prazer. Se aproximou devagar e por trás da cortina viu no espelho o reflexo da moça dentro do Box, com o chuveirinho na mão. Os jatos de água saíam com pressão e estavam direcionado para o clitóris dela.
Enquanto uma mão segurava o chuveiro, a outra ora massageava o seio, ora descia para o clitóris inchado. A ereção já estava a ponto de doer. Ele nunca havia visto ela daquela forma, nua, entregue ao prazer, pedindo uma vara que lhe furasse e penetrasse até que estivesse satisfeita e exausta por tanto gozar.
Seu pau dolorido pedia por aquela mão que segurava o chuveirinho, por aquela boca que estava entreaberta a gemer. Será que ela estava excitada com ele, ou com outro? Ah ele precisava dela, ela precisava dele. Estava fazendo uma loucura. E se não a tomasse, se arrependeria para o resto da vida.
Entrou na casa pela porta da cozinha, o banheiro ficava ao lado. Bateu duas vezes com firmeza.
-Aninha, abre a porta!
Ana engoliu os gemidos e arregalou os olhos castanhos. No instante que ouviu as batidas, tomou um baita susto e largou a mangueira. O choque do início deu lugar há uma respiração acelerada, que chegava a ser sufocante. Devagar pegou a toalha e saiu de dentro do Box. Enrolou-se como pôde e abriu devagar a porta.
-O que faz aqui Peão? Perdeu o rumo de casa?
-Perdi quando ouvi ocê gemendo.-Ele enfiou a mão por dentro dos cabelos dela e a puxou pra perto de si, encostando a boca dura nos lábios macios dela.-Quero você gemendo encima de mim.
Ele a encaminhou para dentro do banheiro e fechou a porta. Ana em momento algum oferecia resistência. O que mais queria era ser tocada daquele modo pelas mãos dele, sentir o corpo dele colado ao seu, sentir-se mulher entre os braços dele.
Bento a imprensou contra a pia de mármore. Desfez o laço da toalha e a deixou cair no chão. Os olhos dela brilhavam como duas avelãs, os lábios entreabertos pediam mais beijos. Mas ele queria olhá-la, admirar o corpo que por tantas vezes imaginou em seus sonhos eróticos.
Ela possuía curvas perfeitas, uma assimetria bem coordenada. Principalmente na região do quadril volumoso. Os olhos subiram devagar e ele a colocou sentada na pia. Os lábios voltaram a se encontrar, dessa vez se provando, as línguas se tocando de leve.
Ah céus, como ele a queria. Chegava a ser sufocante aquele tesão. A abraçou sentindo a temperatura do corpo feminino. As mãos dela tremiam sobre seu peito. Ele segurou-lhe uma mão e a sua enorme pata quase sumiu com a delicada mão dela.
Ele era grande, só agora se dera conta. Ela era pequena, suave, macia. Ele precisava possuí-la, mas iria machucá-la. E se fosse um canalha bastardo na hora H e não conseguisse se controlar?
-O que tem peão?-Ela sussurrou no ouvido dele, com o rosto encostado, sentindo o aroma da colônia masculina.-Por que tá pensando tanto?
-To me controlando, só isso.-Ele tocou a bochecha dela devagar, acariciou seu rosto.-É melhor, porque eu to mais angustiado que barata de cabeça pra baixo.
-O que veio fazer aqui então?-Ela continuou sussurrando no ouvido dele, dessa vez com um tom travesso e um sorriso na voz.
-Besteira.-Ele segurou os cabelos dela e os puxou até que empinasse os peitos a sua frente.-Na minha cabeça, só passa besteira.
Os seios dela foram abocanhados por um peão faminto. Ele os beijava e sugava. E ela gemia e empinava-os na direção dele, querendo mais daquela sensação. Devagar ele passou de um para outro, dedicando o maior carinho que podia. Era um peão bruto, mas sabia domar uma mulher delicada. Não era tão xucro assim.
Pra sua felicidade, o chuveiro já havia feito a maior parte do trabalho, ela estava com o grelinho inchado e pedia pra gozar. Ele a puxou pra beirada da pia, abriu-lhe bem as pernas e devagar foi circulando a língua em volta do clitóris inchado.
Ela segurou um suspiro que escapou espremido pelo nariz. O peito subia e descia descompassado, assim como a respiração entrecortada. Ele aproveitou para começar a sugá-la. Devagar ia contornando o clitóris, vez por outra o pressionava com a ponta da língua e voltava devagar. Os dedos dela, firmemente o seguravam pelos cabelos, enquanto ela rebolava o indicando pra onde ir.
Os gemidos que saíam dos lábios dela, só o faziam sentir-se o miserável de mais sorte do mundo. Ana mal podia respirar, tremia e sentia calafrios. Precisava ser penetrada, senti-lo tocando todas as paredes de sua vagina, senti-lo rasgando-a e abrindo caminho entre seu corpo. Precisava levá-lo para seu quarto, não podia fazer as coisas daquela forma.
Bento penetrou um dedo devagar dentro dela e sentiu-a o apertando enquanto lambia e sugava. Ela se retorcia encima daquela pia, gemia e pedia pra que ele fosse mais fundo.
Ele não agüentava mais. Quando sentiu a pressão contra seu dedo, o corpo dela estremecer inteiro e aos poucos a sucção da vagina... o mel escorrendo entre seus dedos. Ele fez questão de lamber e sugá-lo até o fim.
Quando se ergueu, ela estava mole encostada ao espelho. Ele a abraçou pela cintura e devagar a puxou para fora da pia. De pé, ambos ficaram com os corpos colados, os lábios se tocaram e eles se abraçaram apertado.
Ele não agüentava mais o tesão. Precisava senti-la e precisava naquele momento. Devagar desceu a mão para a calça e abriu o zíper, desceu a mão dela para dentro de suas calças, segurando seu pau duro, por cima da cueca.
O corpo de Ana estava se recuperando devagar, ela precisava reagir. Sugeriu para que fossem para o quarto, não queria ser possuída no banheiro. Não na primeira vez. Talvez na próxima, mas naquela não.
Bento percebeu que ela estava travada. E logo pensou que ela estava arrependida. Que não queria continuar, que estava com medo. O que será que ela tinha?
-Agora quem ta pensando muito é ocê.-Ele falou perto do ouvido dela.-O que tem? Não gostou?
-Não, digo sim, mas é que aqui... não tem cama.-Ela sussurrou.
-Ah, como eu não percebi isso?-Ele a pegou no colo e foi em direção a porta.-Se esse é o problema, vamos pro quarto.
Ele tomou o rumo das escadas, Ana olhou em volta.
-Ta doido? Meu quarto fica lá embaixo.
-Não vamos fazer nada naquela cama minúscula. É capaz de ela quebrar comigo. Vamos pro quarto principal.
-Não, é o quarto dos patrão.
-Escuta.-Ele empurrou a porta e a olhou nos olhos.-É sua primeira vez, não estou em condições de desistir agora, quero muito ocê. Enquanto eu tenho controle, é melhor ocê obedecer queta.
Ana calou-se e obedeceu. Ele a colocou sobre a cama e acendeu a luz do abajur. A pele dela parecia ainda mais morena sob a luz fraca. Ainda de pé ele se livrou da camisa e sentou-se para arrancar as botas. Ana o abraçou por trás e o beijou no pescoço. Ele a puxou para seu colo em um movimento que a fez se desequilibrar e cair sobre ele de pernas abertas. A calça estava aberta, ele não agüentava mais esperar. Tirou o pau de dentro da cueca e há ergueu um pouco.
Ela, quando sentiu o contato daquele membro roliço e duro contra sua vagina sensível, sentiu a ansiedade misturar com a excitação. Rebolava devagar, sarrando a glande em volta de sua boceta molhada. Ele sentiu a entrada molhada e não agüentou mais esperar. Encaixou a cabeça ali e foi forçando pra dentro.
A pressão no baixo ventre deixou Ana com os olhos ardendo, o coração agora aos pulos. Ele estava tomando seu corpo devagar, tentando entrar sem causar dor, mas ela não estava preocupada com a dor. Queria senti-lo inteiro dentro de seu corpo. Devagar forçou mais a penetração e seus olhos arderam. Ele a abraçou e a deitou na cama, começou a estocar de leve sem penetrar até o fim, tentando se segurar. Sentia o pau sendo engolido por aquela boceta macia e a penetrou de uma vez.
Ela gritou de dor, tentou empurrá-lo, mas ele estava preparado para isso. E lhe segurou as mãos. Os olhos dela agora estavam fechados e apertados, ela grunhia e gemia baixinho falando coisas desconexas.
Ele a beijou soltando de leve as mãos pequenas dela. Devagar as mãos dela foram para seu ombro. Ele entrou e entrou estocando sempre o mais profundo que conseguia, tirando dela o máximo de prazer. E ele a abraçou com força, querendo mantê-la ali pra sempre. Aquela sensação de poder protegê-la e estar dentro dela.
Ele a virou pra cima de seu corpo e começou devagar a penetrá-la fundo. Ela ergueu um pouco o quadril e ele arremetia pra cima e pra baixo, deixando-a excitada de uma forma que nunca esteve.
Ana rebolava lentamente enquanto o beijava. Ergueu o corpo e começou a cavalgá-lo timidamente. Ele a olhava de baixo, seu coração explodia de felicidade. Ele a amava. E sabia que não podia estar com ela naquele momento. Sentiu-se consumido pelo êxtase e a puxou para o abraço enquanto aumentava o ritmo, gemendo junto com ela, ambos se entregando ao prazer.
Aninharam-se sobre a cama, nus, com as pernas enroscadas e fecharam os olhos procurando controlar as emoções.
Bento sentia o peso da culpa sobre seu corpo. Ele foi um canalha. Porque não poderia dar a ela um lar, uma família. Ele não tinha pouso certo. Não era homem de virgens, era homem de prostitutas e viúvas carentes. Ana precisava mais do que tudo, de alguém que a protegesse naquele momento. Mas como tirar o corpo fora depois da burrada que acabara de fazer?
Ela sabia que ele estava com a consciência pesada. E sabia que se fossem conversar sobre isso, ele acabaria a magoando. Não queria ouvir da boca dele que ele não a amava e que aquilo foi um erro, que nunca mais iria se repetir. Preferiu acabar com as incertezas dele e lhe dar um alívio. Ao menos poderiam aproveitar o resto daquela noite.
-Sabe peão, você tem razão.
-Sobre o que?
-Eu ir pra São Paulo trabalhar cos patrão. Esse lugar não vai me levar pra frente. Ocê melhor do que ninguém sabe. Foi o primeiro a picar a mula daqui.
-É o que cê quer? Não está influenciada pelo que acabamos de fazer?
-Também. Mas eu sei que você não é homem pra mim. Que nunca vai querer me dar nada mais que isso. Então na capital eu posso arrumar alguém que queira se casar, ou simplesmente juntar um dinheirinho e comprar um lugarzinho pra mim.
-Para.-Ele a abraçou com força e beijou os cabelos úmidos.-Fica quietinha. Amanhã cedo, se você ainda quiser, eu ligo pro patrão. Só fica aqui comigo agora.
Ana sentiu vontade de chorar, de sorrir de beijá-lo e amá-lo mais uma vez. Só mais uma vez, pra não esquecer nunca do peão que amava.
A mão dele desceu por seu quadril, tocava de leve sua pele. Estava esfriando, ela desarrumou a cama e deitaram abraçados embaixo da coberta. Bento a puxou pela cintura e direcionou o membro duro de volta pra dentro do corpo dela. Ana gemeu de surpresa e agarrou o travesseiro, empinou o quadril pra trás enquanto ele estocava devagar. Seu coração ardia, os olhos molharam. Dessa vez não segurou.
Bento a abraçou apertado, enroscou as pernas com as dela e continuou se aprofundando dentro do corpo dela. Ana segurou seus braços, o prendeu junto de si, sentiu o corpo em êxtase. Aquela ali era a melhor sensação de todas. Melhor do que tudo que vivera até aquele momento. E ia aproveitar, porque era a primeira e última vez que estaria nos braços dele.
No dia seguinte, às dez da manhã, sua mala estava dentro da caminhonete. Bento esperava sentado diante do volante. Ana se despediu da amiga Clarisse, de alguns conhecidos mais chegados ali da fazenda e entrou no carro sem fitar Bento nos olhos. Ficou olhando pelo retrovisor, até a fazenda ficar pra trás.
Ele a levou até a rodoviária, entregou a passagem nas mãos dela. Ana estava com os olhos baixos ainda. Não queria encara-lo. Não depois daquela noite. Não depois de acordar sozinha. Não o amando como amava.
-O motorista vai te buscar na rodoviária. Ocê deve chegar lá no final da tarde.
-Sei disso.-Ela pendurou a bolsa no ombro e pegou a mala da mão dele.-Eu vo embarca.
-Espera.-Ele segurou o pulso fino dela, seus olhos se encontraram. Havia tanta dor naqueles olhos claros, que Bento quase a arrastou dali direto pro cartório.-Eu gosto muito doce.
-Sei.-Ela sorriu um sorriso frio.-Ocê sempre foi quase um irmão.
-Não, digo sim.-Ele a puxou para o abraço, a segurou alguns instantes e finalmente a soltou.-Se precisar de mim, vê se liga. Eu vou correndo te ajudar.
-Carece não. Eu vou saber me virar.-Ela lhe deu as costas e pegou a mala.-Adeus José Bento.
Bento viu a mulher de sua vida entregando a passagem na mão do motorista, mas não viu os olhos dela cheios, nem as lágrimas derramadas quando colocou a mala no suporte acima da cadeira e o espiou uma última vez pela janela, se afastando, dando as costas pra ela. Se livrando de seu problema.
Ele entrou no carro, ficou alguns minutos pensando. Respirando. Sendo consciente. Viu o ônibus saindo, o viu se afastando. Perderia Ana pra sempre. Movido pela paixão, ligou o carro e foi atrás do ônibus. O que faria? O que faria? Só então pensou racionalmente. Pararia o ônibus, pediria perdão há Ana e se casaria com ela.
Pra que precipitar as coisas? Sua consciência falou. Semana que vem tem rodeio. Você ganha dinheiro, prepara o rancho e vai busca-la.
Pensando assim ele tomou a rua da igreja e deixou o ônibus seguir seu rumo. Ana viu o carro sumir e engoliu as lágrimas. Bento que fosse pro inferno. Ela iria mudar de vida. E ele não ficaria em seu caminho.
Cinco anos depois...
-Nossa, não mudou nadinha.
-Ta precisando de uma boa pintura. Vamos resolver isso logo querida.
-Diogo, você se importa se eu sair um pouco?
-Sair? Mas acabamos de chegar meu bem. Não vai se instalar primeiro?
-Depois. Eu estou morrendo de saudades da minha amiga Clarisse. Quero visitá-la.
-Vai com o carro.-Ele deu as chaves na mão dela.-Mas não demora. Eu vou colocar suas malas no quarto.
-Obrigada querido.-Ela o beijou e entrou no carro.-Não demoro.
-Luz.-Ele chamou antes de ela ligar o motor.-Vou ficar com saudades.
Ela saiu com o carro da fazenda, pegando o caminho de terra batida pra fora dos portões e ganhando a rua, levando atrás de si uma grande poeira marrom.
A casa de Clarisse não ficava muito longe dali. Ao menos algo havia mudado nos últimos anos além dela. A casa estava reformada, maior. Tinha um belo jardim na entrada, que deixou Ana com o coração alegre como não ficava há muitos anos.
Buzinou duas vezes e viu alguém olhar pela janela da sala e depois sair pela porta da frente. Ela pegou o pacote que havia deixado no banco de trás e bateu a porta. Se encaminhou até a amiga, que já a esperava com um belo sorriso nos lábios.
-Ana?-Ela se aproximou apertando o passo e a abraçou.-Ana Luz é você. Não acredito, ta tão mudada. Que cabelo escorrido é esse? Passou esterco de boi foi?
-Nossa que horror.-Ela entregou o pacote a ela e sorriu.-Trouxe pra você. Um presente pra cada aniversário que perdi.
-Oba, oba. Vamos entrar. O pai e a mãe saíram, mas não demoram. Você precisa me contar as história da cidade grande.
-Ah menina, tem tanta coisa lá, nem sei por onde começar.
-Começa me falando do seu noivo.
-Ah você o conhece. É o filho mais velho do dono da fazenda.
-Conheço ele moleque. Quero saber como é o homem por quem você se apaixonou ora.-Ela se levantou.-Espera um momento, eu vou pegar um suco.
Ana sorriu e se aproximou da cômoda. No espelho haviam algumas fotos pregadas. Ela fechou o sorriso no momento em que viu Bento e Clarisse em várias fotos abraçados. Não podia ser o que estava pensando. O coração apertou dentro do peito. Tocou a foto, parecia queimar-lhe a ponta dos dedos. Se afastou da cômoda como se ele a estivesse observando e sentou na cama.
Haveria uma explicação, com certeza haveria.
Quando Clarisse voltou com a bandeja, ela já havia fantasiado milhões de explicações. Mas tinha que ser discreta. Não queria que a amiga soubesse do que houve entre ela e o peão. Não antes de saber o que eles tinham.
-Nossa, não acredito mesmo que ocê chegou a tempo.
-A tempo pra que?
-Ah, nem te contei. Mas depois conto, ocê deve estar louca pra contar sobre a cidade.
-Não, fiquei curiosa. Me conte, cheguei a tempo de que?
-Sabe, bem, ai é até difícil falar. O Bento e eu estamos namorando.-Ela lhe deu um copo e abraçou uma almofada.-Ele vai pedir minha mão sábado. Vamos fazer uma baita festança de noivado. Meu pai vai matar um boi pra comemorar. E ocê ta aqui, eu quero que seja minha madrinha.
-Jura?-Os olhos dela marejaram.-Você vão se casar?
-Sim, foi tão de repente. Ele pediu minha mão só provisoriamente. Disse que comprou as alianças com nossos nomes gravados. Ele tem feito tanto por nós. Ajudou meu pai a aumentar o gado. Meu pai está tão filiz pelo casório.
-Imagino.-As lágrimas estavam rolando pela face dela.-Quem diria, você e o Bento? Nossa, se eu demoro mais um pouco, nem chego a tempo pro batizado das crianças.
-Mas nem foi tão rápido assim. Conquistar o peão foi um sufoco. Ele é muito fechado. Tem uma pá de muié atráis dele. Des que começou a ganhar cinturão, viro o mior partido da cidade.
-Imagino.-Ela secou as lágrimas e sorriu, um sorriso falso.-Espero que vocês sejam felizes.
-E seu noivo? Como é? Ele está apaixonado? Sabe o que dizem sobre os homens da cidade grande, eles nunca se apaixonam.
-Ele parece gostar de mim. Eu também gosto dele.
- E ocêis já...?
-Já que?-Ela entendeu a intenção no olhar da amiga e corou.-Olha, prefiro não falar sobre isso. Vai que seus pais dizem que eu to te influenciando.
-Que influenciar o que. Se bobear to mais adiantada que ocê. Mais me diz, como foi?
-Olha, ele é um homem carinhoso. Moramos na mesma casa desde que me mudei pra cidade. Aconteceu faz uns dois anos. Desde então começamos a namorar escondido, até que o pai dele descobriu e nos impôs o casamento. Ganhamos a fazenda. Agora só falta marcar a data.
-Podíamos fazer um casamento duplo.
-Ah não amiga, sinto muito.-Ela sorriu com o nariz vermelho.-Mas nesse dia, você, assim como eu, vai preferir exclusividade.
-Verdade. Bem, mas ocê é minha madrinha, disso eu não abro mão.
-Por falar em abrir, abre os presentes que eu trouxe, senão levo de volta.
Clarisse pegou o grande embrulho e começou a desfazê-lo. Encontrou um vestido curto de noite, moderno, diferente do que usava costumeiramente nas festas da cidade. Um par de sarpins na cor do vestido. Sorriu abraçando o conjunto.
-Parecia que ocê tava adivinhando. Agora já tenho vestido pro noivado.
-Agora que vi, comprei o que gostei. Não imaginei se você iria gostar.
-É lindo. Acertou direitinho. Eu nunca ia comprar um desses aqui nesse fim de mundo.-Ela sorriu maliciosa.-Quem vai gostar mesmo é o Bento.
-Ah claro que vai.-Ela colocou o copo sobre a bandeja e se levantou.-Eu preciso ir. Prometi ao Diogo que não demoraria. Tenho que ajudá-lo a se instalar na casa. Providenciar o que estiver faltando enquanto ainda ta de dia.
-Mais já?
-Faz assim, te convido pra ir jantar conosco amanhã. Você e seus pais. Assim podemos matar a saudade e bater mais papo.
-Ah tah.-Ela segurou com força sua mão.-Ainda bem cocê ta aqui Aninha. Senti muito sua falta.
-Também senti a sua Isse.-Ela a abraçou e viu a foto do peão pregada no espelho.-Agora tenho que ir, mas te espero amanhã lá em casa.
-Tudo bem, eu vou.
Ela saiu da casa quase que correndo. Pegou o carro e saiu dali como se estivesse sendo enxotada. As lágrimas a cegavam e ela mal podia dirigir pela estrada esburacada. Devagar estacionou no acostamento. Os vidros escuros lhe deram intimidade suficiente para extravasar a dor do peito. Estava revoltada, com ciúmes, inveja. Nem sabia o que sentia naquele momento. Voltou pra fazenda só pra ter a oportunidade de conquistar o peão uma ultima vez, antes de fazer a besteira de se casar.
Ele iria se casar com sua melhor amiga. O que mais doía era que ele a usou e descartou na primeira noite. Nunca ligou pra saber como estava, se havia colado os pedaços do que havia sobrado de seu coração. Ele a abandonou á própria sorte.
Ao menos isso serviu para que ela ficasse escaldada com os homens. Com o coração tomado por esse sentimento, nunca fora boba e muito menos se deixou enganar pelos homens que tentaram gracejá-la ao longo desses anos.
Puxou a bolsa e tirou um lenço de dentro. Puxou o espelho e limpou a maquiagem borrada, Não retocou, apenas limpou o que escorreu, Jogou o lenço dentro da bolsa e respirou fundo. Diogo iria querer saber o motivo por suas lágrimas. Era bom fingir estar feliz e emocionada, se não quisesse arrumar uma briga logo cedo.
Bento bateu a porta da pick-up e entrou casa a dentro. Encontrou Clarisse no quarto, desfilando com um conjunto de calcinha e sutiã preto e de salto alto. Empurrou a porta e a observou sério.
-Ah amor, ocê tai? Podia ter avisado, não era pra ter visto, era surpresa.
-Vestida assim, pode me surpreender quantas vezes for.-Ele encostou a porta do quarto.-Cadê seus pais?
-Foram pra casa da minha avó. Vão voltar só na hora do jantar.
-Então tenho tempo pra arrancar essa roupa depravada de você.-Ele se aproximou dela e a puxou pela cintura, tomando os lábios dela com um beijo possesso.
Clarisse o jogou encima da cama e se pôs por cima dele, enquanto desabotoava a camisa arrancando os botões. Bento a abraçou e soltou o sutiã expondo os seios pequenos. A pele branca ardia entre seus dedos. A puxou para si e tomou os bicos escuros entre os lábios.
-Ah peão, adoro quando ocê mama em mim sabia?-Ela puxou o rosto dele pra si e o beijou.-Mas quero sentir sua pica na minha boceta. Mete em mim vai.
-Sua depravada.-Ele libertou o pau e tirou uma camisinha do bolso.
-Ah não usa isso não. Só hoje.
-Querida, sou um homem a moda antiga.-Ele a beijou e deitou sobre ela.-Sem camisinha, só depois do casório.
Clarisse envolveu a cintura dele com as pernas longas. E rebolou até senti-lo entrar em seu corpo por completo. Ele a segurou pela cintura e começou a estocar com força, quase que tirando a cama do lugar.
Clarisse gritava e arranhava suas costas, se retorcendo embaixo de seu corpo igual há uma serpente. Dos lábios dela, junto com os gemidos e gritos, saíam palavras depravadas.
“Me fode peão”. “Mete tudinho, até o talo”. “Ai assim eu vou gozar Bento, mete vai”. “Com força, com força”.
E ele ficava pensando no baita tiro que levaria se o pai dela chegasse naquele momento e o pegasse exorcizando sua filha. Arremeteu com mais força e o mais rápido que pôde. Sentiu o corpo dela contrair, a vagina sugá-lo e gozou junto.
Se tinha uma coisa que sabia sobre ela, era o essencial. Ela era ninfomaníaca. E ele dera sorte, porque ela não tinha frescura com nada. Não Foi o primeiro, mas sabia que ela era fiel. Ela gostava dele. Se entregava por prazer, por amá-lo. E ele iria manter a relação deles assim, para que não se arrependesse do passo que estava dando.
-Eu não posso demorar Clarisse. Tenho uns negócios pra resolver ainda essa tarde na cidade. Só passei aqui pra saber se você precisava de algo de lá.
-Preciso sim, mas não pra hoje, só pra amanhã. Vamos jantar fora amanhã.
-Como assim? Fora na varanda?-Ele riu.
-Não sério, fomos convidados pra jantar na casa de uns amigos.
-Que amigos são esses?
-Você vai ver amanhã.-Ela se levantou e ajeitou a calcinha no lugar.-Vou fazer uma listinha do que quero.
-Mas você não disse que não queria?
-Vai voltar lá amanhã?-Ele balançou a cabeça.-Então não me atrapaia.
Bento deitou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos. Sentiu um aroma conhecido. Aroma que o fez voltar no tempo. Ali estava o cheiro do perfume dela.
Não, isso só podia ser coisa de sua cabeça. Estava delirando. Mas por via das dúvidas cheirou mais uma vez, só pra confirmar. De repente Clarisse começou a usar um perfume parecido.
Levantou se ajeitando e foi jogar a camisinha usada fora, antes que surtasse ali. Esperou por semanas que ela ligasse, quando sabia que ele devia ter ligado. Mas ela parecia tão disposta e satisfeita em sair dali, ele não podia fazer nada. Chegou a pensar que ela pudesse ter ficado grávida e voltaria correndo pra jogar as algemas em seus pulsos.
Nada. Nem quando a visitara pôde vê-la. E foi melhor assim. Ele nunca teria alcançado o que alcançou, se tivesse ficado ali em um ranchinho a beira do rio, com mulher e filho, vendo a vida passar.
Hoje tinha um grande haras, os cavalos eram sua fascinação. Viajara pro exterior, ganhou medalhas, cinturões. E o melhor, dinheiro, tanto que não sabia contar.
Por que escolheu Clarisse para compartilhar tudo aquilo? Porque quando foi pra Capital buscar Ana Luz, ela estava noiva. Ela já havia começado o investimento dela, assim como ele. Não tivera a sorte de vê-la, mas foi recebido pela sogra dela, que falava feliz da vida sobre o relacionamento dos dois. Estavam viajando juntos pra praia. O cara chegou antes, deu a ela tudo que ele se negou a dar. E nem tinha tempo para dar mesmo. O sentimento dele por ela, aconteceu no tempo errado. Não soube lidar com ele e acabou a afastando, para que pudesse pensar com frieza.
-Amor?-Clarisse tocou o braço dele e o tirou dos pensamentos.-Está pensando em que?
-Saudades, só isso.-Ele a acompanhou até a porta.-Então, cadê a lista?
-Aqui.-Ela entregou a ele e fechou o robe que havia pego no banheiro.-Tenta trazer algo que não seja muito vagabundo.
-Vinho?-Ele sorriu.-Chocolates. Pra quem é tudo isso?
-Ah é surpresa mor. –Ela pendurou no pescoço dele e o beijou.-Você volta aqui ainda hoje?
-Não, vou buscar o veterinário, tem uma égua prenha me dando trabalho. Amanhã venho te buscar que horas?
-Ah passa cedo pra mor de a gente namorar um cadin.
-Ta.-Ele a beijou na testa.-Agora vai vestir uma roupa descente antes que esses peões descubram que você ta sozinha de calcinha e sutiã em casa.
-Meu amor, o que você tem?-Diogo parou a porta do quarto e viu Ana de braços cruzados olhando pra cama.-Está tão calada, chegou chorando agora pouco. Estou começando a achar que foi um erro trazê-la pra cá.
-Não foi. Na verdade, acabei passando em frente ao cemitério. Não tive coragem de ir lá. São muitas lembranças de uma vez. Boas e ruins.
-Eu entendo perfeitamente.-Ele a abraçou com força.-Agora você precisa tomar um banho e descansar um pouco. Não quero que esse estresse todo deixe o moleque enfezado igual à mãe dele.
-Para com isso Diogo.-Ela se afastou dele.-Você está fantasiando.
-Se você estiver grávida, vai se arrepender do que está falando.
-Eu não estou grávida. Só fiquei enjoada.
-A semana inteira?Tudo bem, segunda vamos fazer o exame. Você vai me fazer um bolo se o resultado der positivo.
-Tudo bem.-Ela abriu a mala e tirou um vestido.-Convidei uma amiga pra jantar conosco amanhã a noite. Tem problema?
-Não, claro que não. Mas amanhã cedo vamos a cidade procurar o arquiteto.
-Tudo bem.-Ele se aproximou dela devagar e a puxou pela cintura.-O que foi?
-Tenho muita sorte de ter você princesa.-Ele a beijou.-Só um louco não iria querer se casar com você, formar uma família, envelhecer ao seu lado.
-Olha Diogo, essa melação toda está me cheirando a algo errado.
-Não tem nada errado.-Ele a beijou na testa.-Vem tomar um banho comigo?
-Ta. Vai indo na frente, eu vou pegar as roupas.
Ele saiu do quarto e a deixou angustiada. Sabia que ele era muito ciumento. E ele sabia que ela saiu dali apaixonada por outro homem. Se descobrisse que passaram uma noite ardente naquela cama e que a cada passo que dava se lembrava dele, ficaria furioso e mandaria por fogo na casa.
Ela devia tomar cuidado. Principalmente para não magoar as pessoas que amava. Enquanto estivesse na vida deles, queria trazer alegrias pelo tempo que fosse.
***************
O vestido vermelho curto e decotado acentuou as curvas, principalmente a dos seios. Diogo observou Ana por trás da porta por algum tempo. Ela aprendeu rápido. Quando chegou há sua casa era uma caipira das brabas. Petulante, mal vestida, falava mal e não levava desaforo.
Logo começou a fazer um curso de etiqueta sugerido por ele para sua mãe. Assim ela seria no mínimo apresentável como babá dos sobrinhos dele.
O único problema é que ao invés de seduzi-la como fizera com as outras empregadas, ele começou a investir. Sugeriu um curso de informática e arrumou um serviço para ela no escritório do hotel de seu pai. Logo o escritório financiou um curso de língua estrangeira e ela começou a estudar inglês. Foi promovida para a recepção. E depois de muito tempo tentando, finalmente conseguiu sair com ela. Depois de algum tempo ela ficou mais maleável e saiu da defensiva. E ele descobriu sobre o tal peão que havia se livrado dela, para não ter com o que esquentar a cabeça.
Percebeu que ela se inferiorizava pelas atitudes desse peão. E ao invés de se aproveitar, mais uma vez resolveu ajudá-la. E acabou se apaixonando. Logo quem, ele, apaixonado por uma caipira. Ou melhor, “ex-caipira”.
Empurrou a porta devagar e se aproximou por trás dela. Pegou o colar de suas mãos e o prendeu em seu pescoço. Deslizou os dedos suavemente pela pele dela e devagar aproximou o rosto, dando-lhe beijos suaves na nuca e a puxando para o abraço.
Ana deitou a cabeça no ombro dele, suspirando ao sentir os lábios dele deixando uma trilha de fogo por onde passavam.
As mãos dele desceram pela cintura até a barra do vestido e subiram levando o tecido leve. Sentiu a pele macia sob seus dedos e precisou de um pouco de força pra não rasgá-lo. Sabia que ela o mataria se fizesse isso faltando tão pouco para os convidados chegarem.
Não seria por isso que não iriam brincar. Ele a encostou na cômoda e levantou um pouco a barra do vestido, até descobrir o bumbum moreno e redondinho que ele adorava. Abriu a calça e logo sacou o pau pra fora, começou a esfregá-lo entre as pernas dela. Desceu a calcinha até o meio de suas pernas e ela mesma rebolava até encaixar a careça da pica na entrada.
Ele estranhou de início, ela não estava excitada como sempre. Estava um pouco seca. Ele ergueu as mãos até os seios dela, ela adorava carinho nos seios.
-O que você tem gostosa?-Ele sussurrou no ouvido dela.-Não quer ficar comigo agora?
-Não amor, é que estou preocupada. Desculpe.-Ela baixou os olhos e sorriu.-Mas eu tenho algo aqui pra brincarmos um pouco.
Ela o jogou na cama, pegou um frasco de dentro da gaveta e tirou uma bolinha de gel. Ele sorriu. Ela estava viciada naquelas bolinhas ultimamente. E ele adorava, ela já era quente, com aquelas bolinhas, ficava uma loucura.
Ana introduziu a bolinha no canal e engatinhou até ele, encaixando-se no pau ansioso dele. Devagar foi deslizando sobre ele e começou a rebolar devagar, até sentir o óleo esquentar e começar a subir e descer. Agora sim, deslizava facilmente e ela rebolava e sentava com força, cavalgava na pica dele com fome, querendo arrancá-lo do lugar.
-O que vamos fazer na fazenda de Todos os Santos?-Perguntou Bento quando entrou na estradinha que dava para a porteira da fazenda.
-Uai, vamos jantar sô.-Clarisse sorriu e tirou o vinho da bolsa de papel, deu uma boa olhada e sorriu.-Caprichou peão. E bonito do jeito que ta, tirei a sorte grande mesmo.
-Tirou a sorte?-Ele riu enquanto estacionava na frente da casa.-Então, quem ta morando aí agora? Andaram limpando esse lugar.
-É o filho do dono da fazenda e a Ana que voltaram. Eles vão casar também, acho que vão morar aqui dispois do casório.-Bento parou no meio do caminho a olhando sério.-O que foi?
-Ana voltou?-Ele respirou fundo e olhou em volta, queria que o chão abrisse pra se livrar de ter que vê-la mais uma vez.-Por que não disse?
-Surpresa uai.-Ela subiu as escadas e tocou a campainha.-Vai ficar aí peão? Pensei que ocê também fosse amigo dela. Tem algo errado?
-Não.-Ele subiu as escadas devagar e suspirou quando viu uma empregada abrir a porta, respirou aliviado.-Só estou surpreso. Pensei que ela já tivesse até casado.
-Pois é. Ela também ficou surpresa quando soube de nós dois.
-Quando vocês conversaram?
-Ontem ela foi lá em casa, pouco antes de ocê chegar.-Ela entregou o vinho nas mãos da empregada.-Uai, cadê esse povo?
-Já vão descer.-A empregada deu um risinho e olhou pra cima.-Acho que estão terminando de se arrumar. Mas entrem, sentem ali na sala que eles já estão descendo.
Bento olhou em volta e respirou fundo. Ana estava de volta e ele não podia fugir dali sem levantar suspeitas. Como se comportaria diante dela? Será que iria fazer papel de idiota? Ou será que ela iria dizer-lhe umas boas verdades? Será que ficaria com ciúmes dela? Claro que ficaria. Já estava!
Ouviram passos no andar de cima, e logo apareceu uma figura no alto da escada. Os cabelos soltos, curtos na altura dos ombros, um vestido vermelho justo, que mostrava e deixava claro de que ele foi um idiota ao deixá-la partir. Ao lado dela estava o sortudo. Com um sorriso bobo no rosto, desceram abraçados. Ela parou no meio da escada quando o avistou, foi por um segundo, só eles perceberam a tensão entre os olhares que logo foi disfarçada por um sorriso forçado.
Ana terminou de descer as escadas um pouco mais rápido e abraçou Clarisse.
-Que bom que vieram.-Elas se afastaram e ela a olhou dos pés a cabeça.-Você está linda.
-Imagina, ocê que tá.
-E você peão.-Ela se voltou para ele e cometeu o erro de abraçá-lo. Por um segundo ambos não queriam se soltar, um sentindo o calor, o aroma e o bater do coração do outro.-Está fazendo minha amiga feliz?
-Espero que sim.-Ele soltou as palavras sem muita firmeza.-Você está linda. Custei a reconhecer.
-E você também está diferente. Tão sofisticado. Quando saí daqui, só usava camisa de flanela e calça jeans.-Diogo pigarreou atrás dela e ela sorriu desconcertada.-Desculpe-me, Bento, Clarisse, esse é o Diogo, meu noivo. Diogo, esses são meus amigos de infância.
-Você eu conheço.-Ele apontou para Bento.-Foi você que entrou em contato com meu pai pra falar da Ana. Cara, eu tenho que te agradecer. Você mandou um anjo pra mim.
-Para Diogo.-Ela lhe deu uma leve cotovelada e ficou vermelha.-Ta exagerando.
-Deixa ele uai.-Clarisse falou sorrindo.-Quem sabe o Bento aprende com ele a ser romântico?
-O Bento Romântico?-Ana ironizou.-Taí duas palavras que não combinam. Vamos sentar? Quero saber as novidades, agora temos todo tempo do mundo pra fofocar.
-Meninas, fofocar agora?-Diogo perguntou.-Isso não é coisa que se faça na presença de homens.
-Ah vocês também podem fofocar.-Ana sorriu.-Amor, mostra aquela coleção de armas que você carrega pra cima e pra baixo pro Bento. Ele entende de espingarda, pelo que lembro.
-Já é a segunda.-Ele falou olhando sério pra ela.
Ana esperou os dois saírem pra relaxar um pouco.
-O que aconteceu? Você e o Bento estão de pinimba, ou é impressão minha?
-Impressão. A gente sempre foi assim, um provocando o outro.-Ela sorriu o sorriso falso que sempre dava para clientes chatos.-Mas esqueça-os. Me diz, o que você tem feito?
-Nada. Só festas e rodeios. Aqui não tem muito que se fazer.
-Rodeio? Aonde?
-Fui em um monte com o Bento. Menina ele é bão por demais, não é a toa que enriqueceu.
-Entendo.-Ela suspirou.-Vamos pra sala de jantar? Continuamos falando no maravilhoso peão na presença dele. Gosto de vê-lo constrangido.
Ana não queria brincar, ela queria apenas provocar o peão. Descobrir porque ele a afastou e pediu sua melhor amiga em casamento. Porque ele não foi sincero desde o começo?
A cara dele não estava boa quando sentou ao lado de Clarisse há mesa. Ele e Diogo falavam sobre cavalos e ela ficou atenta ouvindo a conversa deles, esperando uma brecha para alfinetá-lo.
-Na verdade deu trabalho chegar até aqui.-Bento falou pensativo.-Tive que beijar o chão de muitas arenas. Mas agora estou largando aos poucos. Só tenho feito fama aqui mesmo.
-Agora sossegou o facho peão? Vai casar, formar família.-Ela sorriu provocando.-Não tem medo do mau agouro da esposa?
-Clarisse me apóia. Já foi em muitos rodeios e nunca ficou falando que eu ia cair do cavalo.
-Não mesmo. Ele tem mais é que ficar encima do bicho.-Ela falou segurando a mão do noivo.-Pelo menos por oito segundos.
-Ah claro.-Ana suspirou.-Eu não agüentaria esperar. Oito segundos iriam parecer uma eternidade. Já pensou Diogo?
-Deus me livre. Meu negócio é motor, bicho brabo eu deixo pra quem entende do assunto.
-Mas e vocês, vão casar quando?-Perguntou Bento jogando a batata quente nas mãos de Ana.
-Antes do bebê nascer.-Disse Diogo sem pensar.
-Bebê?-Clarisse sorriu.-Você está grávida e não me contou?
-Não.-Ela ficou vermelha.-Digo, não sei ainda não fiz o teste. É o Diogo que cismou com isso.
-Desculpe querida.-Ele pegou a mão dela e beijou.-Você está bem? Nem tocou na comida ainda.
-Estou sim.-Ela puxou a mão e pegou a taça de vinho.-É que andei comendo pamonha a tarde inteira.
-Desejo?-Perguntou Clarisse.
-Não. Pára com isso. Faziam cinco anos que eu não comia pamonha.
-Não é bom que você beba, se está grávida.-Bento falou apontando para a taça na mão dela.
-Não estou grávida.-Ela largou a taça devagar sobre a mesa.-Mas logo vou ficar. E vocês, pretendem ter filhos quando?
-Logo.-Clarisse disse empolgada.-Antes que eu passe do prazo de validade.
-Você é tão nova.-Diogo falou sem perceber.-Você e a Ana têm a mesma idade né?
-Sou um ano mais velha.-Clarisse falou.-Eu queria ir pros Estados Unido na lua de mel. Porque dispois que vier os menino vai ficar difícil.
-Imagina, vocês terão muito tempo ainda.-Ana falou pensativa.-Eu sempre soube que o Bento um dia iria se casar, ter filhos e ser um cara sério. Ele que não acreditava ser homem pra isso. Estava faltando à mulher certa chegar. Só espero que ele te faça feliz, caso contrário, eu mesma jogo ele de cima do cavalo.
-Pode deixar, ele faiz.-Ela abraçou Bento sorrindo.
-Bem, eu vou pegar a sobremesa.-Ana se levantou pegando os pratos dela e de Diogo.
-Eu te ajudo.-Bento levantou mais do que depressa e pegou os pratos dele e de Clarisse.
Os dois atravessaram o corredor até a cozinha. Quando deixaram os pratos sobre a pia, ficaram um instante sem falar nada, sem ao menos se olhar ou se mexer. Os olhos foram se procurando devagar. Bento era homem feito, sentiu vergonha de si mesmo ao perceber que fazia papel de menino diante dela. Era tão diferente da Ana que conhecia. Não parecia mais a Aninha, sua paixão de moleque.
-Eu... bem, a sobremesa está na geladeira.-Ana falou alguns instantes antes de tentar passar por ele e ser detida pela mão grande calejada.-O que foi?
-Não acredito que você está aqui.-Ele a puxou para si e tocou-lhe os cabelos.-Está diferente, não é a mesma que eu mandei embora tanto tempo atrás.
-Não faz tanto tempo assim.-Ela tentou se recompor.-E você não me mandou embora. Eu fui porque não tinha nada aqui que me obrigasse a ficar.
-Eu te machuquei aquela noite.-Ele ergueu o rosto dela.-Não devia ter feito o que fiz.
-Não devia ter feito o que?-Ela não se seguraria se ele dissesse que a noite deles foi um erro.
-Ter deixado você ir.-Ele aproximou o rosto ao dela.-Está mais difícil de segurar agora que você está aqui de novo.
-Difícil por que?-Ela olhava dentro dos olhos dele. Sentia as pernas fracas, o coração bater mais rápido.
-Porque tenho muito que falar com você. Explicar, concertar tudo que fiz.-Ele tocou os lábios dela com as pontas dos dedos.-Se você nunca mais quiser me ver depois disso, eu vou entender. Mas me dá quinze minutos essa noite?
-Quinze minutos? Como assim, porque não fala agora?
-Porque vamos demorar e vai ficar esquisito.-Ele a puxou pela cintura e colou o corpo ao dela.-Depois do jantar, vou deixar a Clarisse em casa e volto. Me encontra no portão?
-O que você tinha pra dizer, devia ter dito cinco anos atrás.-Ela tentou empurrá-lo.-Agora me solte...
Os lábios dela foram calados pelos dele. O corpo lhe pregou uma peça naquele momento. Esquecendo como se sustentar. Os braços grandes do peão a seguraram e mantiveram de pé. E logo estavam aprofundando o beijo.
Até que a porta que dava acesso há área de serviço foi aberta e eles se largaram assustados.
-O que você faz aqui Rita?-Ana perguntou com os olhos esbugalhados.
-É que... acabou a roda de viola. Vim ver se não precisam de nada.-Ela encostou a porta e foi para a pia.-Já posso levar a sobremesa, se a senhora preferir.
-Eu ajudo.-Ela falou automaticamente, se afastando de Bento.
-Eu vou voltar pra sala.-Ele saiu da cozinha um tanto embaraçado.
-Pelo amor de Deus, isso foi um erro. Não conta ao Diogo, por favor.
-Patroa, seu noivo é o que menos importa. Ocê não o quer bem. Agora, e sua amiga?
-Isso foi um engano, não devia ter acontecido. Em um momento estávamos discutindo e ele me beijou...
-Está tudo bem. Não vou contar nada.
-É sério, se o Diogo descobrir ele mata o Bento. Ele atira por esporte. Acerta um pássaro há quilômetros de distância. Imagina um peão desse tamanho.
-Então não cometa o mesmo erro de novo.
-Não, pode deixar.
-Pode deixar à senhora. Vai indo lá pra sala, que eu levo a sobremesa.
-Eu levo os pratos.-Ela pegou alguns pratos encima da mesa e talheres, saiu da cozinha mal sustentando as pernas.
-Está tudo bem querida?
-Sim Diogo. Foi a Rita que me deu um susto. Nada de mais.
-Vou falar com ela. Não pode pregar sustos em você...
-Está tudo bem. E não venha dizer de novo que estou grávida. Esse assunto está encerrado até segunda feira.
-Tudo bem, não falo mais nada.-Ele sorriu e lhe beijou a mão.-Sua amiga estava me contando sobre o concurso que você ganhou três anos consecutivos.
-Não era concurso de beleza. Era concurso de soletrar.
-E por que nunca me disse?
-Irrelevante.-Ela mal olhou para Bento ou Clarisse.-Clarisse sim, esteve em alguns concursos de beleza.
-Não ganhei nenhum. Na verdade, fiquei em segundo três anos direto.
-Consecutivos.-Diogo corrigiu sem pensar, e levou um pontapé de Ana.-Digo, segundo lugar é ótimo também.
-Ainda assim é perder.-Clarisse falou se servindo de doce que a empregada havia colocado sobre a mesa.
A noite seguiu seu rumo. Com olhares culpados, conversas frívolas e lembranças do passado. Ao final da noite, Ana deu graças a Deus por eles terem ido e ela poder finalmente relaxar.
Diogo foi mexer no notebook. Ela subiu para um banho rápido e recordou do pedido de Bento.
“Depois do jantar, vou deixar a Clarisse em casa e volto. Me encontra no portão?“
Ana sentiu o fogo subir devagar por seu corpo. Estava pensando em fazer uma besteira. Fechou o registro de água, saiu do banheiro correndo e vestiu algo confortável. Calçou os sapatos e quando estava descendo as escadas, deu de cara com Diogo na sala.
-Vai sair meu bem?
-Sim, vou dar uma volta .
-Quer companhia?
-Não, pode ficar aí. Eu só vou caminhar um pouco. Está quente lá encima.
-Então ta. Leve o celular e tome cuidado.
-Pode deixar.
Ela saiu batendo a porta e se esgueirou pelo caminho que dava no portão. Ele disse quinze minutos, será que estaria lá?
Se aproximou da entrada e viu a pick-up estacionada perto da sombra. Seu coração começou a bater ritmado. Prendeu a respiração, continuou caminhando devagar, quando saiu pelo portão, que viu o homem encostado há porta do carro, deixou a respiração sair entrecortada.
-Eu sabia que você vinha.
-Eu não devia ter vindo.
-Fiquei preocupado com aquela empregada. Ela falou algo? Te chantageou?
-Não, só me deu uma lição de moral.-Ele deu a volta no carro e abriu a porta do carona.-O que? Eu entrar aí? Melhor não.
-Quer que seu noivo venha ver o que está fazendo aqui fora e nos veja de papo? Vai ficar mais estranho, você não acha?
-Certo, mas não vamos sair daqui.
-Vamos só um pouco mais pra trás.
Ela entrou no carro com ele e momentos depois, lá estava o peão levando o carro para uma rua mais escura. Ana ficou tensa, não estava gostando de estar ali com ele, naquele carro, em uma rua escura, sentindo todo aquele fogo e desejo.
-Então, o que você quer?
-Você não tem nada a me dizer?-Ele perguntou, enquanto escorava no volante e se voltava pra ela.
-Dizer?-Em um momento ela ficou tensa, tinha muito a dizer, mas não estava preparada.-O que?
-Tem tanta coisa a ser dita entre nós, que nem eu mesmo sei por onde começar.-Ele falou olhando nos olhos dela.-Como fui covarde ao te deixar partir, como fui infantil e egoísta ao vê-la assim, tão jovem, cheia de vida e ao lado de outro homem e sentir ciúmes, sendo que nunca disse a você o quanto eu te amo.
-Não tão cheia de vida assim.-Ela murmurou com os olhos cheios de água.-A questão é que eu escolhi ir embora. Também achei que seria a melhor solução.
-E por que voltaram?
-Porque eu precisava vir.-Os olhos dela já não conseguiam segurar as lágrimas.-O casamento será daqui há pouco tempo. E... eu precisava tirar você da cabeça. Ou ao menos tentar a minha última chance de ser feliz.
-Por que você quer me tirar da cabeça Aninha?-Ele tocou o rosto dela, ergueu seu queixo devagar.-Não sou o que você esperava encontrar?
-Não. Você agora é o noivo da minha melhor amiga.-Ela falou em um tom magoado.-E eu não te culpo por escolher ela. Te culpo por ter me tirado da sua vida e agora que tem outra em meu lugar, estar querendo me usar.
-Eu não quero usar você.-Ele a puxou para o abraço, tentando consolar sua dor.-Na verdade, quando te vi descer as escadas, eu pensei em todo passado. E queria muito poder mudar. Estive essas horas pensando em como mudar tudo isso sem magoar ninguém.
-Impossível peão.-Ela tocou o rosto dele.-Se tudo isso que seus olhos me dizem agora, tivesse sido revelado anos atrás, um rio de lágrimas teria sido evitado.
-Não creio que Clarisse vá dar tanta importância sentimental para o rompimento.
-Não falo dela.-Ela secou as lágrimas com a manga da blusa.-Falo de mim. E de tudo que passei todos esses anos.
-Pelo que você passou?
-Não importa mais. Agora é passado.-Ela pegou um lenço que ele estendia e suspirou.-E não fale em rompimento. Se fosse qualquer mulher eu apoiaria, mas não vou sacanear a Isse, ela não merece. Sempre foi uma boa amiga, sempre esteve comigo.
-E o que pretende fazer?
-Continuar ao lado do Diego, tentar fazê-lo feliz enquanto puder.
-E a sua felicidade, onde fica?
-No passado esquecida, pra não causar mais problemas. Eu só quero aproveitar a vida que me resta.
-Como assim, a vida que te resta?-Ele perguntou já preocupado.-Aninha, o que você tem?
-Nada, é só modo de falar.-Ela secou as lágrimas e olhou pra fora.-Você mudou tanto. Nem fala mais as gírias da roça. Aquelas expressões gaudérias que tanto usava.
-Você também perdeu o sotaque. Ao menos parte.
-Fiz um curso para aprender a falar sem sotaque. Dediquei os últimos anos da minha vida a trabalhar e estudar. Nem sei quantos diplomas tem na minha escrivaninha.
-E isso não é bom?
-Sim, fui alguém esses últimos cinco anos. Mas trocava tudo pra voltar no tempo, naquela época em que nadávamos no ribeirão, íamos juntos as quermesses. Dançávamos quadrilha. Isso sim era vida boa.
-Algo te fez muito infeliz esses últimos anos.-Ele falou pensativo.-Fui eu?
-Você ajudou. Mas deixa pra lá. Agora eu preciso voltar, Diego vai ficar perguntando aonde fui.
-Fica comigo.-Ele a puxou mais para si e sorriu.-Cinco anos de saudade não passam em cinco minutos.
Ela se deixou abraçar pelo maior causador de todo sofrimento de sua vida. O amor tinha dessas coisas, procurar consolo nos braços de quem lhe fez chorar era uma delas. Mas tinha tanta coisa pra ser desenrolada nessa história, que ela nem sabia se agüentaria até o termino dela.
Passados alguns instantes de silêncio, Ana não suportava mais a ansiedade, virou o rosto pra ele e o beijou. Ele esperava que ela fizesse aquilo, precisava da permissão dela para que tudo acontecesse. Ele a acolheu mais ao abraço e prolongou o beijo.
Ana se sentiu mais protegida e amparada, conforme ele a apertava entre os braços e o beijo se prolongava. Os lábios se afastaram alguns milímetros e a cabeça de Ana pousou em seu ombro. Ela precisava de mais, ele precisava de mais, enquanto fosse possível.
Desligando-se da realidade, esquecendo-se dos compromissos, ela resolveu se dar essa chance. Talvez a última chance de estar nos braços dele. A partir de segunda feira sua vida mudaria pra pior. Então o tempo era curto para ser feliz.
-Eu te amo Bento.-Ela falou olhando nos olhos dele, pedindo em pensamento que a magia daquele momento não acabasse tão cedo.-Quero você, apesar de tudo.
Pra ele não havia mais o que ser dito. Virou a chave na ignição e passou a marcha por baixo dela, devagar foi saindo da rua de ré, queria levá-la para sua casa, queria amá-la a noite inteira. E se ela também queria, nada mais importava. Nem Clarisse, nem ninguém.
Ana sentou-se em seu lugar nervosa. Passaram em frente há fazenda e seguiram direto. Ele estava a levando para sua casa? Alguns metros mais tarde, ele entrou em uma rua empoeirada, apertou o botão de um controle no painel do carro, quando se aproximou da casa, o portão já estava completamente aberto. Ele passou direto, saiu do carro às pressas, abriu a porta para ela. Ana sorriu quando ele a encostou a porta do carro e capturou seus lábios em um beijo sedento e sensual.
O puxou para si esfregando seu corpo junto ao dele. Ele entendeu o recado, desceu as mãos pelo quadril dela e a ergueu, prendendo-a junto ao seu corpo, enquanto se encaminhava para dentro de casa.
Foi para o quarto principal, Ana sorriu ao soltar as pernas de sua cintura e deslizar até o chão. Estava de pijama, uma calça de algodão, um top apertado e um casaco. Tudo cor de rosa. Ele a observava como se estivesse na lingerie mais sexi do mundo. A mão de Bento subiu pelo pescoço esguio e soltou os cabelos dela.
Dessa vez ele não iria comandar a situação. Ela queria uma coisa diferente. Dessa vez ela iria usá-lo, como ele há usou cinco anos atrás. Sempre sonhara com esse momento. D e retribuir a ele tudo que ela sentiu aquela noite. E ir embora antes que ele pudesse raciocinar de novo.
Suas mãos atrevidas desceram para o membro dele preso dentro das calças. Ele sorriu, havia gostado. Subiu as duas mãos pela cintura dela até os seios. Os prendeu entre os dedos. Eram seios pequenos e mesmo assim, no tamanho ideal. Ela sufocou um gemido quando sentiu os bicos dos seios sendo espremidos entre os dedos dele.
As carícias continuaram brandas, apertões daqui, afagos dali. Até que Ana resolveu começar a despi-lo de uma forma um tanto violenta. Puxou a camisa e alguns botões voaram. Enquanto ele se encarregava de tirar os restos, ajoelhou-se e começou a tirar o cinto.
Bento a segurou, sabia de suas intenções, pretendia prolongar um pouco a brincadeira.
-Vamos entrar. Antes que alguém veja.
Ele a conduziu para a porta. Ana mal o deixou tranca-la e o jogou no carpete fofo da sala. Bento arrancou seu casaco, a deixou de top. Os seios estavam espremidos dentro dele. Ela estava tão mudada. Tão diferente. Havia músculos no abdome, seu corpo não era mais macio, agora era firme e rígido. Estava ainda mais linda. Aquela mulher era todinha pra ele.
-Você é perfeita.
-Sei disso.-Ela falou baixando o corpo para abraça-lo.
Mas quando Bento a beijou dessa vez, ela retesou o corpo. As mãos dele passaram por sua barriga, ela abriu os olhos. Perdeu o rumo das coisas, com a avalanche de pensamentos. Foi consumida pela dor que vinha guardada nos últimos anos. Só tivera um momento breve de felicidade nos últimos tempos e isso foi arrancado dela.
Seu corpo perdeu a sensibilidade. Ela estava morta. Com ele ali se sentia viva. Mas as recordações doíam tanto. O que fazer? Continuar e embarcar naquelas lembranças dolorosas, ou voltar atrás e manter-se há salvo de tudo aquilo?
Quando Bento percebeu que ela mudara de ideia, parou com os beijos, as mãos, somente ficou a observando, deitada sobre seu peito, respirando rápido. A abraçou. O que diabos estava acontecendo com ela?
-Ana Luz qual é o problema?
-Eu não posso.-Ela sufocou as lágrimas.-Não por você, nem por mim, nem por ninguém. Não posso porque dói. Porque traz lembranças. Pensei que daria pra superar, mas não dá.
-Vem tomar um café comigo, vamos conversar.-Ele levantou e a levou até a cozinha, a colocou sentada diante do balcão e colocou água no forno.-Me diz qual é o problema Ana.
-Melhor não.-Ela cruzou os braços sobre o balcão e ele se aproximou dela, tomando suas mãos.-Vai estragar tudo. Sábado é o noivado de vocês. Não vou destruir os sonhos da Clarisse. Não vou traí-la.
-Ana Luz, até poucos minutos você não estava preocupada com isso. Ela vai entender.
-Entender? Que eu tomei dela o melhor partido da cidade? Esquece. Não vou durar muito, acabaria com tudo a toa.
-Peraí, como assim não vai durar muito? O que você tem?
-Nada, deixa pra lá.
-Você nunca foi boa em esconder as coisas.
-Não quero esconder nada. Só não quero falar agora.
-Você está doente?-Ele sentou ao lado dela.-Você ao menos desabafou com alguém?
-Não.-Ele a puxou para o abraço, ela se sentiu tão protegida que soltou a frase como em um suspiro.-Eu tenho câncer.
Bento a apertou com força ao abraço. Ana mal respirava, mas se sentia bem como não se sentia há anos. Aquela ali era só parte de todo o drama que vinha vivendo os últimos anos. Era só o resultado da noite ardente que tiveram. E se estivesse ao lado dele, talvez agora não estivesse morta para a vida. Teria aproveitado ao lado dele, teria sido confortada pelos braços dele. Assim como estava sendo agora.
Mas ele não teria o que tinha. Ele não seria realizado. Ela não seria feliz sabendo que o havia prejudicado. E se pudesse desabafar essas palavras e falar sobre Ariel. Contar a ele o que havia passado.
Estava sendo egoísta. Diogo esteve ao seu lado todo tempo. A incentivou a continuar a viver, mesmo sabendo que a depressão poderia mata-la. Diogo foi o companheiro que Bento deveria ter sido. Por isso era grata a ele e não aquele peão safado.
-Eu preciso ir.
-Não, agora você não vai.
-Diogo está me esperando.
-Ligue pra ele, diga que vai dormir na casa de uma conhecida. Invente uma desculpa, diga que ela está doente. Diga que é sua tia. Invente qualquer coisa. Daqui você não vai sair até colocarmos os pingos nos “i’s”.
-Peão, não to pronta pra falar sobre isso.
-Ana Luz eu não estou sugerindo, estou mandando. Vá até aquele telefone, ligue para o seu noivo e avise que vai passar a noite fora. Isso se tiver alguma consideração por ele ainda.
-Por que está falando isso?
-Prefere que eu ligue?
-Não. Eu falo com ele.
Ela foi para a sala, ligou para o celular de Diogo e ensaiou uma desculpa favorável. Disse exatamente o que o peão mandou. Que estava visitando uma tia que está doente e ficou para ajuda-la. Diogo se ofereceu para levar algum remédio, sempre amável. Mas ela dispensou, disse que só iria passar a noite ali e logo pela manhã iria embora.
Quando chegou há cozinha, Bento estava colocando xícaras na mesa.
-Gosta de açúcar ou adoçante?
-Açúcar.-Ela sentou na cadeira que ele puxou e evitou olha-lo nos olhos, quando ele sentou a sua frente.-Olha, não sei se estou pronta pra isso.
-Pronta ou não, vai ter que desembuchar.-Ele falou a deixando irritada.-Vamos, diz há quanto tempo descobriu isso?
-Uns três meses. Estou fazendo exames para operar.
-Câncer de que? Aonde?
-No útero.-Ela não o fitava nos olhos, apensas de cabeça baixa, fitou a xícara que ele coloco a sua frente.
-É câncer mesmo? Maligno. Do tipo que precisa tirar tudo? E fazer quimioterapia? Sabe como começou?
-São muitas perguntas.
-Então comece a responder que elas diminuem.
-Sim, é câncer do tipo que mata Bento. Estou fazendo tratamento, está em estado inicial. Meu médico está pensando em operar o mais depressa possível. Tem esperança que eu consiga engravidar após o procedimento. Mas as chances de o câncer voltar são grandes.
-Você sabe se é de família?
-Não. Na verdade, o problema foi ocasionado graças há uma lesão que sofri no útero, alguns anos atrás.
-Sofreu como?
-Bento...
-Ana Luz, prefere que eu descubra por meus meios?
-Não tem o direito de se meter na minha vida.
-Tenho sim. Alguma coisa me diz que eu tenho o direito.-Ele falou irritado, queria se controlar, passar conforto a ela, mas ela não colaborava e isso o deixava mais aflito.-O que aconteceu com você?
-Tive uma complicação durante um trabalho de parto. Por negligência médica usaram o Forceps e o aparelho destruiu toda minha vida.
Bento recostou na cadeira. Trabalho de parto, câncer. Era muita informação. Ele queria filtrar melhor as perguntas, para poder entendê-la. Mas eram tantas informações.
-Você tem um filho.
-Filha.-As lágrimas escorreram do rosto dela.-Aconteceu tudo do jeito errado.
-Aonde está essa criança?-Ela não conseguiu falar mais. Bento sentou ao seu lado, a abraçou, ela tremia e soluçava. Até ele queria chorar.-Ana, você precisa se acalmar e me contar toda história.
-Não consigo.
Bento se levantou e pegou um copo de água pra ela. Sua cabeça fervia. Ele queria tranquiliza-la, mas era impedido por um sentimento que não conhecia. Era pena? Pena por ela estar vivendo aquele inferno? Ou era raiva de si mesmo por não ter evitado tudo isso? Droga, ele era só um rapaz com muitos sonhos e poucas conquistas.
Se o pai dela tivesse vivido mais alguns anos...
-Ana Luz, me conta tudo do começo.
-Não sei por onde começar.
-O que aconteceu com o seu bebê?
-Ela morreu José Bento! O que mais você quer?
-Sei que dói falar disso, mas ela morreu de quê?
-Foram tantos fatores...
-Explique-se.
-Eu não sabia da gravidez. Até poucos dias do trabalho de parto. Ela tinha só sete meses, eu senti dor, Diogo me levou ao hospital. O médico falou que eu estava em trabalho de parto. Mas era um hospital público, do tipo que incentiva o parto normal até as últimas consequências.
-E você precisava de uma cesariana.
-É. Meu parto foi horrível. Doeu tanto. Aquele aparelho maldito estava contaminado. Eu peguei uma infecção, ela tinha problemas respiratórios. Meu útero era pequeno, comprimiu o cordão umbilical. Ela também pegou a infecção e ficou muitos dias na UTI neonatal.
-E o Diogo, por que não levou vocês pra um hospital particular?
-Eu era só a empregada. Ele iria me levar pra um hospital particular pra que?
-Sendo empregada ou não, você era namorada dele. Era a filha dele.-Ela baixou a cabeça, segurou o copo de água com ambas as mãos.-Vocês namoravam nessa época?-Ela balançou a cabeça negativamente.-Então houve outra pessoa.
Ela ficou calada. Não estava pronta pra dizer. Mas sabia que teria que dizer. E tentava encontrar as palavras certas.
-Quem foi Ana Luz? Esse miserável que te engravidou ainda está vivo?
-Sim.-Ela ergueu os olhos e o encarou.-Está em pé a minha frente.
Os ouvidos de Bento zumbiram. Ele ficou vermelho, o chão parecia ter se aberto sob seus pés. Ele pôs a mão sobre a mesa, respirou fundo, lhe deu as costas e saiu da cozinha.
Ana suspirou aliviada. Fantasiou com aquela conversa tantas vezes. Mas não sabia que ele iria lhe dar as costas e sair de perto sem falar nada. Ele não a amava. E se àquela hora estivessem transando, logo pela manhã, ele se livraria dela mais uma vez.
Mais lágrimas caíram, até que ela resolveu respirar fundo e sair dali. Se levantou devagar, ouviu barulho de algo quebrando nos fundos. Caminhou até o barulho e viu Bento com um pé de cabra arrebentando um carro.
Quando a viu, ele largou a ferramenta no chão. Ela estava atrás da porta de vidro. Ele foi até lá e a puxou para o abraço. Ficaram ali, quietos. Bento já havia desvendado o mistério. Queria mais detalhes, mas já ligara tudo. Os detalhes só os fariam sofrer ainda mais.
Acabaram deitados na grande cama de casal, abraçados, quietos, corações descompassados. Se beijaram, Bento não podia mais aguentar, precisava acabar com aquilo. E ela precisava estar nos braços dele pra esquecer o momento de dor. Fechou os olhos absorvendo o sabor salgado do beijo molhado de lágrimas.
Com pressa começaram a se despir. Bento tentou ser racional. Mas ela queria e não iria voltar atrás. Não agora. Agora podia seguir em frente. Ele sabia de tudo.
Abriu a calça dele, nem chegou a tira-la, puxou o membro pra fora da cueca e o abocanhou. Sugou aquele pedaço de músculo com fome, Bento não a reconhecia e sabia que ela fazia aquilo pela dor e não pelo prazer. Tentou detê-la, mas ela o mandou se calar, tirou suas próprias roupas e o montou. O momento que seu corpo acolheu o dele, ela sentou com força praguejando.
Doía, estava sensível. Mas precisava. Precisava muito daquilo. Cavalgou Bento pra aplacar a dor do coração, se esquecendo da dor do corpo. Rebolou com força e o dominou por alguns instantes, sentindo o corpo trabalhar anestesiando toda dor e dando prazer. Bento não conseguia se segurar. Não com a cabeça fervilhando de pensamentos. Não com ela montando em seu corpo com tanta vontade. Não sendo ela. Ele não poderia segurar. Ela dominava seu corpo e sua mente.
E ele gozou no momento em que ela o sugava entre espasmos. Ana caiu deitada sobre o peito dele. O abraçou, seu coração estava acelerado, seu corpo tremia. Ficaram alguns minutos assim. Até que ela adormeceu.
Bento levantou, foi pro banheiro no escuro. Entrou procurando o interruptor um tanto aturdido. Ele parou diante do espelho, jogou água no rosto. Quando pensou em limpar o pênis, percebeu que ele estava sujo de sangue. Ana.
Ele voltou correndo pro quarto. Acendeu a luz, puxou a coberta, ela estava sangrando.
-Ana.-Ele tentou acorda-la, mas ela estava pálida e esquentando.-Aninha, faz isso comigo não. Acorda.
Ana Luz continuava desacordada. Ele passou a mão no telefone, chamou uma ambulância e foi se vestir.
Eles demoraram tanto. Parecia ter passado horas. Quando ouviu a sirene, já cogitava a hipótese de Leva-la de carro para o hospital.
Os paramédicos a levaram sem falar muita coisa. Não o deixaram ir na ambulância. Ele seguiu a ambulância de caminhonete.
A levaram para emergência, ele ficou preso a papéis. Preencheu a ficha com nome e telefone e foi pra sala de espera.
Ela não podia morrer. Não ela. Não agora. Não assim. Merda, será que sempre que ele a tocasse ela sairia machucada?
Foram longos minutos esperando. Viu uma equipe correndo pra sala de cirurgia. Era uma hora da manhã, normalmente aquele horário era tranquilo. Mas uma voz no alto falante chamava o anestesista. Uma enfermeira passava correndo com uma prancheta na mão.
Bento rezou. Por todo tempo que ficou ali ele rezou. Seu egoísmo e ganância estavam lhe tirando a pessoa mais especial que tinha. Ele só queria dar o melhor a ela. E queria o melhor para si também. Maldito egoísta. Fez tudo errado. Nunca devia ter tocado nela. E se tocou, não devia tê-la deixado ir. Se não fosse tão maldito, eles seriam uma família. O bebê não teria morrido, porque ele não permitiria.
Já estava amanhecendo quando ele entrou no quarto dela, alguns instantes só pra vê-la, confirmar que ainda respirava. O coração batia. Ela estava pálida. O médico disse que vasos haviam se rompido, que o tumor havia sido lesionado. Que precisava ser removido. Precisavam entrar em contato com o médico dela. Conhecer o quadro.
Bento deu o número da fazenda. O noivo dela saberia algo. E logo estaria ali fazendo perguntas. Ele segurou a mão pequena.
-Me deixa desfazer toda essa burrada.-Ele falou com ela.-Não me deixa agora não. Casa comigo. Sei que é tarde pra pedir, sei que é egoísmo pedir, mas, por favor, fica comigo.
Ela ficou calada, adormecida. A máquina que a monitorava mostrava que o batimento estava estável. Ela não o ouvira. Mas ele diria assim que ela saísse dali.
-Bento, o que aconteceu?-Clarisse recebeu Bento no portão, estava aflita, havia ouvido rumores e ele só aparecera a noite.-Sabe algo da Ana?
-Ela vai ser operada amanhã.-Ele saiu do carro e encostou na porta.-Ainda está desacordada.
-Mas o que aconteceu com ela?
-História longa.-Ele cruzou os braços.-Tenho algo importante pra falar.
-Me leva no hospital, no caminho a gente conversa.
-Clarisse.-Ele segurou o pulso dela.-Eu não posso me casar com você.
-Como é? O que... que história doida é essa agora?
-Isse, eu não posso fazer isso com você. Eu não te amo. Pensei que podia, mas não dá.
-Não dá por quê? Por que a Ana voltou? Por que você vai lá lamber o chão onde ela pisa?
-Você não sabe...
-Não sou burra. Eu vi. Todos esses anos eu vi, sempre que falava nela ou ela escrevia, você ficava todo arisco. Notei a tensão ontem à noite. Mas você pensa que vai me dar um pé na bunda pra correr atrás dela? Deixa de ser burro, ela vai preferir o namorado rico. Ele tem mais grana que ocê.
-Clarisse cala a boca.-Ele falou sério e cruzou os braços.- Ana está entre a vida e a morte no hospital.
-Espero que aquela cobra morra.-Ele deu um tapa estalado na cara dela.-Seu desgraçado, você me bateu.
-Sim e se você não parar de falar besteira vai levar outro.-Ele entrou no carro com raiva, bateu a porta com força.-Amanhã a gente conversa. Esfria a cabeça.
-Seu idiota.-Ela pegou uma pedra no chão, acertou o vidro traseiro, mas o carro era reforçado, só arranhou.-Eu te odeio! Seu canalha!
Bento parou o carro na frente de casa e entrou. Subiu as escadas com o pouco de força que restava. Entrou no quarto, tomou um banho quente e se trocou. A empregada havia limpado o quarto. Ele deitou alguns instantes, mas a preocupação o estava matando. Queria evitar problemas no hospital. Não queria arrumar briga com o noivo dela. Mas não conseguiria dormir sem estar lá, vê-la de olhos abertos. Conversar com ela.
Levantou, calçou os sapatos, pegou o chapéu e saiu.
Ana estava conversando com Diogo. O médico permitiu a presença dele enquanto Bento havia saído. Ela tentava fazê-lo ouvir, mas ele apenas discutia e argumentava, como bom advogado que era.
-Então foi ele?-Diogo parou encostado na moldura da janela e cruzou os braços.-Você mentiu pra encontrar com ele. Me traiu com ele e agora aonde você está? Na cama de um hospital. Pela segunda vez, você esteve com esse bastardo e veio parar no hospital. O que mais é preciso pra você aprender?
-Diogo, me escuta.
-Não, me escuta você! Ele não quis se casar com você quando saiu daqui grávida. Imagina agora que está pra casar com sua amiga. Valeu a pena Ana Luz?
-Valeu sim Diogo.-Ela baixou os olhos.-Eu vou morrer, pra que mentir há essa altura do campeonato? Não posso me casar com você. Sei que muito lhe devo por tudo que fez por mim e pela Ariel. Mas não vou fazê-lo feliz. Vou morrer aos poucos, minha vida será enfiada dentro de hospitais, fazendo tratamentos e cirurgias.
-Você parou pra pensar no que eu sinto por você?
-Para Diogo. Não me faz sentir pior do que estou. Por favor, me deixa sozinha.
-Mas Ana...
-Só uma coisa. Pede pra alguém trazer aquela foto da Ariel? Sinto falta dela.
-Vai se trancar no hospital, morrer sozinha amargando suas lembranças?
-É. Eu vou.
-Você não merece isso Ana Luz.-Ele se aproximou e a beijou na testa.-Tomara que não seja tarde demais quando sua ficha cair.
Saiu esbarrando em Bento. Se não estivesse tão abalado, teria caído na porrada com aquele peão bronco. Mas sua hora iria chegar. Agora iria pegar as lembranças dela.
Ele entrou no quarto, se aproximou da cama e tirou o chapéu.
-Você ta melhor?
-Sim. Tirando a falta de comida. Me deram uma porcaria sem gosto ainda a pouco. Agora é jejum total até amanhã.
-Vão te operar que horas?
-À tarde. Minha médica vai chegar na hora do almoço.
-Então podemos terminar aquela conversa?
-Eu não sei...
-Por favor, eu só preciso saber o que aconteceu. Por que você não me procurou quando soube do bebê?
-Eu estava abalada. Mal descobri que seria mãe, aconteceu tudo de uma vez. Senti dor, o médico fez exames. Descobriu o tempo de gestação. E como a bolsa havia rompido, ele estimulou um parto normal.-As lágrimas começaram a inundar o rosto dela.-Eu desmaiei durante o parto. Quando acordei, ela estava em uma incubadora e eu em um quarto com mais cinco mães. Todas com seus bebês no colo. E eu...
-Você a chamou de Ariel?
-Sim. Eu a vi, toquei na mãozinha dela. Era tão pequena. E tão parecida com você. Tive vontade de mata-lo.
-Ela... viveu quanto tempo?-Ele falou engolindo um nó.
-Três meses. Saiu da incubadora, fez algumas cirurgias. Mas no final, a infecção venceu e levou minha bonequinha.-Ele sentou na cama e a trouxe para o abraço.-Diogo me defendeu no processo contra o hospital. O resultado saiu há poucos meses. Fui indenizada pelo Estado. Os médicos que me atenderam tiveram a licença cassada. Prometi ao Diogo que me casaria com ele assim que saísse a sentença.
-E por que desistiu?
-Porque ele vai sofrer quando eu entrar e sair do hospital. Ele merece alguém que cuide dele. Que o ame. Que esteja ao lado dele quando ele precisar. Eu vou estar ocupada perdendo os cabelos e vomitando.
-Terminei com a Clarisse.-Ele segurou a mão dela.-Amanhã vou conversar com ela e com os pais. Explicar o que aconteceu. Tentar ser convincente e sair vivo.
-Você consegue.-Ela segurou a mão dele.-Pensei que iria doer mais quando finalmente falasse com você sobre Ariel.
-Duvido que tenha imaginado que estaria no hospital por causa disso.
-Pensei que nunca teria que falar. Na verdade... achei que poderia morrer com esse segredo. Mas percebi que era egoísmo.
-Ana, para de falar em morte.-Ele alterou um pouco o tom e respirou fundo quando a enfermeira entrou no quarto.
-Com licença, Bento, ela tem que dormir agora. A cirurgia vai ser agressiva, ela precisa relaxar.
-Eu estou indo.-Ele foi para o pé da cama e debruçou sobre ela, a beijando na testa.-Eu te amo.
Ele saiu do quarto, Ana suspirou quando o viu pela última vez e deixou as lágrimas caírem.
Às oito da manhã Diogo entregou uma foto nas mãos da enfermeira. Ela a levou até o quarto de Ana. A foto de um bebê pequeno, bem miudinho, todo encolhidinho no colo da mãe. A enfermeira levou a foto até Ana com um sorriso no rosto.
Os olhos de Ana se iluminaram ao olhar a foto. Ao mesmo tempo que acariciava a foto, a médica entrou no quarto, com uma cara nada boa.
-Vamos adiantar sua cirurgia.
-Por quê?
-Você está com uma hemorragia. Temos que fechar a ferida, antes que a hemorragia fique mais séria. Tenha fé Ana, vai dar tudo certo.
-Mas o Bento... ainda não chegou, eu não me despedi dele ainda...
-Não vai precisar. Quando acordar, ele estará aqui.-Uma equipe de enfermeiros entrou no quarto empurrando uma maca.-A sala de cirurgia está pronta. Vamos rápido com isso.
Bento saiu do carro bufando. Logo pela manhã recebeu uma ligação muito mal educada do pai de Clarisse. Não conseguiu pregar os olhos durante a noite e agora, estava ali na casa deles pra resolver o fim do relacionamento.
A culpa era dele, tinha que entender isso. Mas não estava em condições de ouvir gritos de ninguém. Subiu as escadas e entrou quando viu Clarisse pela janela.
-Seus pais, onde estão?
-Na cozinha.
-Vamos resolver isso logo. Tenho que ir pro hospital.
-Vai ficar jogando na cara peão? Agora você só tem tempo e cabeça pra Ana.
-Clarisse não começa.-Ele entrou na cozinha puxando Clarisse pelo braço.-Seu Tonho, Dona Joana, eu to aqui pra falar com vocês sobre minha situação com a Clarisse.
-Senta aí.-O velho indicou a cadeira e olhou com uma cara carrancuda pra Bento.-Ocê ta pensando que fia minha é muié de se larga na porta da igreja seu muleque?
-Seu Tonho, eu não larguei a Isse na porta da igreja e muito menos sou moleque. Na verdade, estou aqui para dizer a vocês que não posso me casar com ela, porque não vou fazê-la feliz.
-E ocê acha que ela ta filiz agora? E num acha que esse povo tudo vai deitar falação? Ou ocê casa, ou dá um jeito de sumir daqui rapaiz.
-Sinto muito, mas eu moro aqui, tenho meus cavalos, não é o senhor que vai me obrigar a sair daqui. Não me caso e não vou embora.-O celular dele começou a tocar, ele respirou aliviado.-Só um momento... alô.
-Bento, é a Rute.-Bento reconheceu a voz da enfermeira e se levantou.
-O que aconteceu? A Ana ta precisando de alguma coisa?
-Ela entrou em operação o estado é grave. Corre pra cá.
-To chegando aí.-Ele desligo o telefone.-Seu Tonho, vamo conversar outra hora.
-Ocê não vai atrás dela agora não. Se for eu te processo.-Clarisse falou nervosa.
-Então processa de uma vez. Eu não vou ficar aqui discutindo mesquinharia, enquanto a mulher que eu amo está entre a vida e a morte, numa mesa de cirurgia. Com licença.
Bento saiu da casa bufando. Desceu os degraus há passos largos. Entrou no carro, quando estava fazendo o contorno, Clarisse saiu da casa correndo e parou na frente do carro.
-Sai da frente mulher.
-Eu vou coce peão.
-Então entra de bico fechado.
Ele meteu o pé no acelerador enquanto Clarisse prendia o cinto de segurança. Em quinze minutos, estavam entrando na recepção do hospital. Ele pediu informações e foi pra sala de espera. Pessoas passavam pra todo lado. Ele sentou em uma poltrona esperando notícias. Afinal, o que havia acontecido? A cirurgia seria a tarde e não eram nem dez horas da manhã ainda.
Uma enfermeira entrou na sala e chamou um senhor. Ele suspirou, Clarisse ao seu lado estava muda. Batia o pé no chão impaciente.
-Por que você veio?
-Não sei não peão.-Ela cruzou os braços e recostou.-Mas a Ana é minha amiga. Apesar de ter me apunhalado.
-Ela não fez nada disso.
-Ela podia muito bem ter me contado sobre ocêis.
-E você aceitaria?
-Não. Mas também ia doer menos.
-Olha, a história é muito complicada. E eu nem processei tudo que aconteceu ainda.
-Bento.-A enfermeira entrou na sala acompanhada por uma médica.-A Ana...
-O que aconteceu com a Ana? Ela ta bem? Fala...
-O senhor é o acompanhante da Ana Luz?-A médica se aproximou de Bento, sentou ao seu lado.-Eu não sei qual é o grau de parentesco de vocês.
-Eu sou o homem com quem ela vai se casar assim que sair daqui.
-É... bem, vou tentar ser o mais precisa. Ana Luz estava com um grau avançado de câncer no útero. Com uma lesão muito complicada. Quando os vasos se romperam, o fluxo de sangue aumentou e...
-E o que? Eles não estancaram a hemorragia ontem à noite?
-A externa sim, mas não a interna.-Ela suspirou.-Adiantamos a cirurgia, porque notei a hemorragia durante os exames. Mas ela estava fraca...
-Como assim estava? Porque você não desembucha logo?-Clarisse falou nervosa.-O que aconteceu com a Ana?
-Não resistiu à cirurgia.-Ela se voltou para a enfermeira e ergueu a mão.-Antes de ir para a Cirurgia, ela estava com isso nas mãos. Falou que era pra te entregar, caso não tivesse a oportunidade...
Bento não conseguiu entender nada do que a mulher falava. A dor era tão forte, ele estava transtornado. Mal conseguia raciocinar. Puxou a gola da camisa, a foto foi posta em suas mãos. Clarisse ao seu lado chorava com as mãos sobre os olhos. Ele parecia alheio há tudo aquilo. Olhou a foto da criança nos braços da mãe. Duas meninas.
As duas estavam mortas. E a culpa era dele.
Se levantou transtornado, não via nada a sua volta. Alguns enfermeiros tentaram detê-lo, ele sentiu mãos o segurando, mas arremessou os dois encima de um armário e invadiu a sala de cirurgia onde o corpo de Ana ainda estava.
Quando tirou o lençol, pensou que o coração fosse explodir. Aquela pálida, frágil... aquela pessoa não podia ser a Ana. Ele não aceitava aquilo.
-Ana, volta meu amor. Por favor, eu prometo que vou fazer tudo diferente, mas volta. Não me deixa aqui sozinho, volta.
O silêncio do escuro o deixou agoniado. Ergueu o corpo tentando respirar. A dor era lacerante. Ele tocou a mão de Ana e a segurou com as suas. Depois a abraçou, a beijando e confortando junto ao seu corpo. Seus olhos estavam molhados, ele chorava compulsivamente e rezava baixinho.
-Obrigado Deus, obrigado. Ela está aqui senhor, muito obrigado.-Ele beijou os cabelos cacheados e a apertou junto ao abraço.-Eu te amo tanto mulher. Nunca vou deixar você partir.
Bento sorria feito um louco. Ainda bem que Ana não acordara com seu pesadelo. E muito menos agora, que ele a abraçava e beijava sorrindo e chorando. Ela teria medo se o visse daquela forma.
Mas o alívio era tão grande. Ele mal podia crer que foi um sonho. Um sonho que ele nunca mais esqueceria. Um sonho que abriu seus olhos para a burrada que estava fazendo.
Passados alguns minutos, ele resolveu agir. O dia havia clareado. Ele se levantou, se vestiu e foi correndo pra cidade. Não deixaria Ana partir, não depois do aviso que teve durante aquele pesadelo. Ela foi sua aquela noite. E não seria de mais ninguém.
Ana acordou pouco depois das oito. Levantou no susto. Viu que o dia já ia avançado, ela não havia levantado pra tirar o leite e... aonde estava Bento? Ela levantou, foi até o banheiro, ele não estava ali. Se enrolou em uma toalha e desceu procurando por ele. As roupas dele não estavam ali, o carro não estava ali. Ele a havia abandonado. Depois de tudo que fizeram aquela noite, ele a abandonou.
Ela sentiu o coração pesar, o rosto perdeu toda cor. Ficou cega pelas lágrimas e correu para seu quarto. Ele havia ido embora. Ele a deixou só. Ele a seduziu e se foi. Como podia ter sido tão canalha?
Ana pensou alguns instantes, respirou fundo e foi até o telefone. Discou para a casa da patroa.
-Dona Marcela, é a Ana.
-Aninha, que bom ouvir sua voz. Como você está?
-Dona Marcela, eu to ligando pra saber se a sinhora não tem serviço pra mim aí. Agora que meu pai morreu, ta pirigoso eu ficar aqui na fazenda sozinha. Eu tava conversando com o Bento, ele achou que era melhor eu morar na cidade...
-Olha Ana, minha filha teve um problema com a babá. De repente ela precisa de você. Mas temos que conversar sobre a fazenda.... quer saber? Vou comprar sua passagem agora. Pode chegar na rodoviária com seus documentos e retirar lá. Arrume suas coisas e venha, aqui conversaremos melhor.
-Sim senhora. Obrigada dona Marcela.
Ana arrumou as coisas de qualquer jeito. Pegou o pouco que tinha e enfiou na mala, vestiu um vestido comportado de flores, que costumava usar para ir à missa aos domingos. Era o menos puído que tinha.
Ao chegar à rodoviária, se dirigiu para o guichê. Tinha um ônibus saindo para São Paulo às onze. Ainda eram nove horas. Ela esperou sentadinha, torcendo para que Bento não a deixasse ir. Viu tantas vezes a história do mocinho que vai buscar a mocinha no aeroporto.
Deu onze horas e nada de Bento. Ela se levantou com o coração na mão. Pegou sua mala e embarcou no ônibus. Era o fim de tudo.
Bento chegou há fazenda todo alegre e sorridente. Encontrou a diarista que ajudava Ana, limpando os quartos.
-Onde está a Ana?
-Ana foi pra capitar.-A mulher o fitou abraçada há um monte de roupas.-Ocê quer o que com ela?
-Que horas ela foi?
-Sei não. Ela saiu daqui era nove e alguma coisa.
-Droga. Será que já foi? Eu vou pra rodoviária.
Bento enfiou o pé no acelerador. Lembrava bem o quanto doeu no sonho perder Ana. Não queria passar por aquilo de verdade. Ele seguiu pra rodoviária, se informou sobre o ônibus que foi para São Paulo.
-Acabou de sair. Tem uns cinco minutos.
Lá foi Bento se enfiar na caminhonete velha. Seguiu para a rodovia atrás do ônibus, atrás de Ana, atrás de seu futuro. E se o sonho estivesse certo, atrás de sua filhinha também.
Não demorou encontrou o ônibus. E no desespero que estava desgramou a tocar a buzina. O motorista estava concentrado na viagem. Não notou que as buzinadas eram pra parar. O carro avançou do lado do ônibus e o cortou. No susto ele jogou o ônibus para o lado, conseguiu voltar para sua pista antes que causasse algum estrago. Começou a xingar o maluco da caminhonete.
-Mai o que ta acontecendo?-Ana perguntou há senhora da poltrona ao lado.
-Tem um maluco cortando o ônibus. Acho que é passageiro atrasado.
-E por que ele não para?
-É pirigoso moça.
Ana esticou o pescoço, viu pela portinha que separava o motorista dos passageiros a caminhonete de Bento tentando parar o ônibus. Levantou correndo e foi pra frente ver se era ele mesmo.
-Eu num credito nisso.
-Moça pode ir sentar, ta tudo sob controle.
-Num ta não, para esse ônibus.
-Moça, eu tenho horário.
-Se ocê não parar, ele morre ou mata todo mundo aqui.
O motorista parou. Bento saiu do carro correndo e trupicando. Parou em frente à porta do ônibus, viu Ana. Seu coração disparou.
-Não vai.
-Mas... ocê endoideceu peão?
-Abre a porta.-Ele falou com o motorista.
-Dona, esse moço é perigoso?
-Só quando bebe. Acho que ele ta xaropado. Mas abre a porta. Curiei agora.-O motorista abriu a porta e Ana cruzou os braços.-O que ocê tem peão? Ta doido?
-Não, você não pode ir. Vai dar tudo errado. Você vai tem um bebê, vai perder o bebê, vai querer se casar com outra pessoa, vai ficar doente e morrer e a culpa vai ser minha.
-Ocê pirô.-Ana falou dando um passo atrás.-De onde tirou essa ideia peão?
-Ô moça, vai namorar em outro canto, eu tenho hora pra chegar em São Paulo.-Gritou um velho de dentro do ônibus.
-Bento, vai embora, ta atrasando a viage.
-Não.-Ele tomou fôlego e subiu dois degraus.-Essa noite eu tive um sonho.Sonhei que estava te perdendo. E eu vi tudo que vai acontecer daqui pra frente. Eu não posso deixar você morrer. Não posso.
-Para peão. Vai ficar aí falando bestera, eu não vou morrer porque ocê sonhou.
-Não sonhei Ana. Eu fui avisado.-Ele tocou o rosto dela e ela se esquivou entrando mais no ônibus.-Fui avisado que se deixasse você ir embora, iria te perder pra sempre. E eu não quero isso.
-Sossega sua consciência peão, eu vou ficar bem.
-Não Ana Luz, você não vai ficar bem. Eu não vou ficar bem, longe de você.-Ele a puxou para o abraço.-Eu te amo, será que você não entende?
-Ocê o que? Ta maluco peão? Bebeu água de bode?
-Não. Eu não to doido.-Ele tocou o rosto dela.-Eu te amo, não quero ficar longe de você. Eu quero cuidar de você. Pra sempre.
-E porque me deixou sozinha? Por que me abandonou depois do que aconteceu?
-Eu não te abandonei. Fui no banco raspar a conta. Só que o banco só abria dez horas e no caixa eletrônico não tirava a quantia que eu queria.
-E pra que ocê queria dinhero?
-Pra comprar isso.-Ele tirou uma caixinha do bolso e o deu na mão dela.-Quando acordei, pensei que tinha que deixar de ser egoísta. Que você é minha vida, sem você eu não vou a lugar nenhum.
-Ai meu santo, isso é de verdade?
-Sim.-Ele ajoelhou.-Ana Luz, você quer se casar comigo?
-Meu padim ciço, ocê ta falando sério?
-A moça vai desmaiar.-Disse uma senhora.
-Não, num carece levantar, to bem.-Ela se voltou para Bento.-Quer mesmo se amarra peão? Ou só ta com medo de ficar co a consciência pesada?
-Aninha, tudo que mais quero nessa vida, é ficar com você. Tudo que eu quero construir é pra você. Tudo que eu quero conquistar é pra te dar uma vida de rainha.
-Não careço disso não peão.-Ela sorriu já com os olhos cheios de lágrimas.-Eu quero casa cocê sim. Mas só se for pra sempre.
-Vai ser pra sempre minha morena.-Ele se levantou e a puxou pela cintura.-Eu nunca mais vou deixar você sair de perto de mim.
As pessoas dentro do ônibus aplaudiam. Bento arrebatou os lábios de Ana com entusiasmo. Mas não se prolongou, pegou a mala dela, agradeceram ao motorista e ele a levou dali. Para a beira do rio.
-Por que ocê parou aqui?
-Sabe o que é?-Ele apoiou o braço no volante e se voltou para ela.-Eu vinha aqui pra pensar em ocê as vezes.
-Eu? Por quê?
-Porque sou doido nocê há uma pá de tempo.-Ele enrolou o dedo no cabelo dela.-Falei com seu pai uma vez, mas ele disse que você só casava com alguém que pudesse te dar conforto. Prometi pra ele que conseguia. Mas ele morreu e não deu tempo de construir muita coisa. Eu to morando num barraco velho, tentando financiar as terra em volta pra criar meus cavalo. Pra conseguir esse dinheiro, vou ter que beijar muito chão de arena.
-Não tem outro jeito?
-Tem, o jeito mais fácil e o caminho mais cumprido. Trabaiando na roça.
-Ocê tem medo de agouro né?
-Eu tinha. Tinha muito medo, mas aprendi uma coisa muito importante. Não há nesse mundo agouro pior do que te perder.
-Mas ocê não vai me perder.
-Não vou não. Olha, se pudéssemos adivinhar o futuro, seria mais fácil tomar decisões. Se me dissessem que eu ia ter tudo que sempre quis, mas em troca perderia você, eu pegava na inchada na hora e ia capinar uma légua de roçado. Sem ocê eu não fico cabocla. Ocê é minha vida.
-Para Zé, vai me fazer chorar.-Ele puxou o rosto dela mais pra perto.-Depois ocê vai me contar direitinho como foi esse sonho. Mas agora eu quero mais.
Bento puxou Ana pros braços, arrebatando-lhe os lábios num beijo afoito. Ana se derreteu com o calor do corpo do seu peão. Bendito pesadelo aquele. Se não fosse por ele, há essa hora, ela estaria seguindo rumo há São Paulo, pra viver uma vida vazia. Longe de tudo que amava. Longe de tudo que era.
E Ana não precisava falar bonito, usar roupas caras, fazer cursos e viajar para outros lugares pra ser feliz. Ela era feliz ali, naquele pedaço de terra, sentada no colo de Bento, com as mãos dele em volta de sua cintura, os lábios sobre os seus. Ela não tinha riqueza, mas tinha amor. O amor de um homem que deu tudo que tinha, num anel de noivado para ela. Porque esse homem também percebeu, que o amor daquela cabocla, era tudo o que ele precisava.
Seria bom se pudéssemos dar um pulo no futuro, pra saber quais foram às decisões que tomamos erradas. Infelizmente não dá. Mas isso não nos impede de construir um futuro feliz, ao lado de quem nos ama. Então, antes de tomar uma decisão que magoe aquela pessoa especial, pense bem no que essa decisão pode acarretar no futuro. Um momento de prazer, não paga uma eternidade de sofrimento. E não faz voltar quem já se foi.
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